Por que eu amei o filme Malévola

Inicialmente se faz necessária a retomada de alguns conhecimentos e uma reflexão a respeito do Estado. O nome Estado ficou "famoso" principalmente através de Maquiavel em sua obra "O Príncipe". Apesar de ter se tornado amplamente conhecido atráves da obra citada,ninguém sabe ao certo quando Estado ( do latin status) deixou de indicar situação para se tornar condição de posse permanente e exclusiva de um território e de comando sobre seus respectivos habitantes, mas é sabido que não é criação de Maquiavel.
Agora, abandonemos a história e iniciemos uma análise política do conceito. O Estado exige o monopólio da força física. Mas um Estado não se sustenta apenas da coerção. Para que esse poder seja justificado existe muitas teorias que, para que não ocorra o prolongamento da conversa, não vêm ao caso neste momento. Para um Estado ser eficaz e duradouro há de se ocupar em legitimar o seu poder. A legitimação nada mais é do que um consenso, mesmo que ilusório, do povo. É a justificação moral para que haja a obediência por parte dos governados, muitas vezes estabelecido através do tão famoso Contrato Social. Segundo ele o Estado tem a obrigação de assegurar a vida humana em sociedade, garantindo a segurança. O Estado deve garantir a ordem interna, assegurar a soberania na ordem internacional, elaborar as regras de conduta, distribuir a justiça. Sem o cumprimento da sua parte no contrato o Estado corre o risco de causar no cidadão a sensação de que a legitimidade do seu poder está sendo solapada e este ser obrigado a usar a força como único meio de garantir a obediência o que não é saudável para a manutenção pacifíca do Estado.
Uma citação interessante de Santo Agostino nos elucida a esse respeito: " Sem a justiça, oq eu seriam de fato os reinos senão um bando de ladrões?"
Ou as trocas de farpas entre Alexandre e o pirata:
" Tendo-lhes perguntado o rei por qual motivo infestava o mar, o pirata respondeu com audaciosa liberdade: 'Pelo mesmo motivo pelo qual infestais a terra; mas como eu faço com um pequeno navio sou chamado pirata, enquanto tu, por fazê-lo com uma grande frota, és chamado imperador'"[ De Civitate Dei, IV, 4,1-15]
Agora que foi-se esclarecido de onde emana o poder e as obrigações estatais vamos a notícia.

Na Penitenciária Lemos Brito (PLB), situada na cidade de Salvador-Bahia, foi encontrado uma espécie de estatuto elaborado pelos presos do pavilhão 1, no qual eram estabelecidas regras de conduta que deveriam ser observadas pelos detentos. A surpresa não foi a existência de um código de comportamento dentro das instalações penitenciárias, já que o próprio diretor do presídio informou ter conhecimento do código, conhecido como Ravengar ( referência ao seu idealizador e criador, o maior traficante da Bahia, Raimundo Alves de Souza) e um professor da UFBA Eduardo Paes Machado, do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Ufba, especialista em sociologia do crime ter destacado que esse tipo de comportamento é muito comum nos regimes carcerários. O que surpreendeu foi a audácia dos presos em "publicar" ( pois foi digitado, impresso, encadernado e distribuído)o tal código.
Mas vamos analisar mais friamente a situação. Afinal, o que essa "publicação" significa? Sugiro retirarmos todo juízo de valor impresso na atitude dos detentos ( tais como : "Apenas o Estado tem o poder de mandar na cadeia" ou " que ousadia desses criminosos em fazer leis próprias para vigorar dentro de uma instalação cuja administração cabe exclusivamente ao Estado") e observar o que essa atitude quis dizer. Uma análise mais criteriosa, e suscinta, nos permite deduzir que:

1) A capacidade do estado em promover e distribuir a justiça está desacretitada pelos detentos;
2) os mesmos sentem dificuldade em ter acesso a justiça;( o que pode ser provado pela afirmação do consentimento do regime semi-aberto para o autor do estatuto aqui mencionado e a sua não efetivação por falta de vagas, além de tantos outros que cumprem suas penas e continuam dentro das cadeias sendo privados do seu direito a liberdade)
3) a lei criada pelo Estado esbarra na ineficácia de conter ações dentro do sistema carcerário- já que eles se viram obrigados a instaurar leis próprias.
Se os presos necessitaram produzir leis próprias isso não significa que o Estado os está desamparando? E o que eles podem fazer? Rebelar-se? Seria pior.
Esse estatuto é um meio de sinalizar que as coisas não andam como deveria nas instituições penitenciárias do Brasil, já que este caso não se resume apenas ao estado da Bahia, e algo deve ser imediatamente feito para solucionar o problema.
Não me cabe aqui me posicionar contra ou a favor deste código. Se por um lado acredito que indivíduos cumprindo ações penais não têm o direito de instaurar um código dentro do sistema prisional, por outro, acredito que ninguém melhor do que os próprios presos para indicar o que precisa ser mudado, e avaliar o que funciona ou não dentro do sistema, mas não da maneira como foi feita. Ravengar solicitou uma "audiência" com o Ministério Público (MP) mas esta lhe foi negada sobre alegação de que não se discute normas administrativas com um condenado jurídico.
O que é certo é que encadernado ou não, este estatuto está em vigor dentro da prisão e muitissimo provavelmente quem o descumprir será enquadrado de acordo as especificações previstas no código. Ravengar foi levado a solitária... O que não mudará em nada a situação de fato.
Os agentes temem que as obediências, assim chamados a analogia usadas referente aos artigos de uma lei comum, vá de encontro com o regimento interno do presídio e isso cause tumultos e dificulte seu trabalho. Mas o Diretor da (PLB) garante que nenhuma das obediências vai de encontro as normas estabelecidas pela administração oficial. Além de afirmar que os detentos do pavilhão 1 possuem bom comportamento.
Na obediência VI que prevê a expulsão do detento como punição à desobediência, nos mostra o poder paralelo dentro das penitenciárias. O poder de aplicar "sanções" e inclusive o poder de tranferir ou expulsar um deles, o que indica parceria com autoridades penitenciárias que têm o poder de fazê-lo efetivamente,é assustador.
Alguns defendem a possibilidade de se estabelecer uma liderança legal que fale em nome dos interesses dos presos, mas alguns acreditam que esse poder pode acentuar ainda mais as desigualdades dentro da prisão, pois os líderes só irão favorecer os seus aliados. Na verdade essa medida é ingênua, pois ela espera que o preso seja honesto e represente toda uma "classe" de maneira igualitária, o que é meio difícil de se acreditar que irá ocorrer. Não que se espere desonestidade deles exclusivamente por estarem na condição de detentos, mas por que isso ocorre em qualquer tipo de representação, inclusive a parlamentar( cito esta por ser a mais evidenciada). O sistema é sempre o mesmo: favorecer os seus.
Abaixo segue a lista com algumas das obediências listadas do Código ravengar:

Obediência II
Não será permitido roubar companheiro de cela.
Pena: prestar serviços de faxineiro no pátio, orar um Pai-nosso ou pregar os joelhos no chão

Obediência III
Todo direito de defesa será dado ao acusado na sua possível 1ª (primeira) falta, já que na reincidência deixará automaticamente o nosso convívio

Obediência IV
Constitui-se desobediência o interno que circular em dias de visita sem camisa, com short apertado e visualmente sem cuecas. O interno que desobedecer será advertido verbalmente pela comissão

Obediência V
Não poderá haver formação de grupos para subverter a ordem dos que vivem sob o domínio da paz. Desobediência leva à não permanência em nosso convívio

Obediência VI
Ficam terminantemente proibidas agressões de qualquer natureza, principalmente aquelas que possam causar lesões físicas graves. Constitui falta, sujeito também a expulsão

Obediência VIII
Não poderá ser comercializado produto de procedência incorreta, exceto aqueles fornecidos pelo titular; aquele que adquiriu o produto do roubo perderá a compra

Obediência X
Não poderá nenhum interno se envolver coma ex-companheira de outro do mesmo módulo; Se for ex-companheira e tiver filhos, fica proibido o relacionamento.

Agora apenas para fim didático irei postar o endereço da reportagem na íntegra que saiu no Correio da Bahia para quem se interessar ou necessitar para realização de trabalhos acadêmicos.
http://correio24horas.globo.com/noticias/noticia.asp?codigo=37787&mdl=29

Esse nosso Brasil da Copa de 2014, das Olimpíadas de 2016... Será que daqui para lá haverá menos problemas sociais ou será que é por isso mesmo que a vaca vai pro brejo?


Referências Bibliográficas:
>BOBBIO, Noberto. Estado,Governo,Sociedade:Para uma teoria geral da política. 13º ed. Ed. Paz e Terra. 2007.p.73-89;
>LOCHE, Adriana; FERREIRA, Helder; SOUZA, Luis; IZUMINO, Wânia. Sociologia Jurídica.Porto Alegre. Síntese.1999. p.50

3 comentários:

Vini e Carol disse...

Isso é só um pouco de como nosso páis é.
As regras não são de acordo com o que a sociedade é e vive.
E sempre será assim, infelizmente.
Beijos.

MILTOXI disse...

O maior problema de um Estado Democrático de Direito é que o povo, componente desse Estado-nação, detentor do Poder Constituinte Originário, seguer se preocupa em exigir seus direitos e cumprir seus deveres... e dps reclamam de alhures...

Adorei seu blog, está agora na minha lista de acompanhamento e já o SIGO... espero vc tbm no meu...

www.miltoxi.blogspot.com

Joy Barreto disse...

Passando para conhecer seu blog, e passarei mais vezes para conferir as novidades

;)

Grande beijo

http://joycebc.blogspot.com/

Postar um comentário

Um comentário diz muito sobre você.
Comente com inteligência.

(retribuo comentários bem feitos- afinal,se vc escreve bem aqui, escreve bem lá. ;)

Pesquisar este blog