Por que eu amei o filme Malévola

Mais um post para integrar nossa galeria de assuntos polêmicos. Desta vez o assunto explorado, como pôde ser observado no título, é a descriminalização do aborto.
Este é um tema que, sem dúvidas, levanta exaltadas e apaixonadas discussões. Uns dizem que é crime, outros dizem que é a livre manisfestação da vontade da mulher e assim se prolongam horas de argumentações nas qual os "adversários" tentam convencer um com o outro, ou apenas persuadir o seu opositor, mas isso agora não vem ao caso.
Convido-lhes a fazer uma suscinta reflexão a respeito do assunto aqui exposto.
Iniciemos a desconstrução do primeiro argumento: "Aborto trata-se de um crime; a ação de se tirar uma vida encontra-se na constituição brasileira e é conhecido pelo nome de homicidio."
Vejamos, a maioria das mulheres que cometem o aborto clandestino, geralmente em péssimas condições caseiras, arriscando a suas vidas, são mulheres de baixa renda, sem condições econômicas de garantir um mínimo de dignidade a uma criança; moram, geralmente, em áreas de altos índices de criminalidade o que , não por aplicação de qualquer tipo ortodoxo de determinismo, mas baseado em pesquisas sociológicas realizadas, terá grande possibilidade de ver seu filho entrar na rede criminosa e morrer prematuramente. Ela não pode evitá-lo mas poderá ver o Estado, que detem o monopólio da força, materializado na polícia, fazendo o "aborto atrasado" deste cidadão.
Toda esta conversa me fez lembrar daquela música do Gabriel, O pensador "pátria que me pariu". Essa música é um retrato das condições de concepção indesejadas por tantas brasileiras e de suas consequências.
Voltando ao tema, essa argumentação de proteção da vida me parece estranha, observemos o porquê. O aborto no Brasil é permitido apenas em casos de risco de morte da gestante ou em caso de estupro. Se o que se pretende é a defesa da vida, essa argumentação não nos leva a crêr que 1) Algumas vidas valem mais que outras já que pode ser tirado uma vida produzida através de uma violência sexual e não um produto de outro acontecimento;ou 2) A vida da mãe vale mais que a vida do filho ( o valor de vidas podem ser comparados?!) já que em caso de risco de morte pode-se optar pela vida da genitora e a negação da vida ao feto; ou 3)Não é a defesa da vida que se pretende com essa lei - vale investigar quais as verdadeiras intenções por trás dela.
A Igreja, representada por um padre, em um caso de estupro, excomungou a menina estuprada e os médicos que realizaram o aborto mas não fez o mesmo com o estuprador. Isso gerou um grande mal estar entre a Igreja e a sociedade que causou "fundunço" até no Vaticano.
Bento 16 interpelado a respeito foi categórico: Não se deve abortar nem fetos produtos de um estupro.Pedir, como sugeriu o papa, que nem em caso de violência sexual uma gestação seja interrompida é uma das coisas mais cruéis que se podem solicitar de alguém. Imagine o que é conviver com a lembrança materializada de um ato tão desprezível e perturbador. A mãe sofrerá danos psicológicos terríveis e muitíssimo provavelmente será incapaz de amar esse filho gerando nele outros transtornos psicológicos que poderá transformá-lo em uma pessoa infeliz ( isso na melhor das hipóteses)que será impossibilitado, provavelmente, de desenvolver qualquer vínculo afetivo saudável.
A opção de realizar, ou não, um aborto repousa em questões morais, éticas e de príncipios particulares. Isso quer dizer que ninguém que não faria um aborto clandestino, fará um aborto apenas porque este, agora, está dentro da esfera legal do Estado, ou que alguém que o faria, deixaria de fazê-lo por motivos de embargos legais- é o que assistimos com frequência no cotidiano.
O fato de existirem pessoas que não o fariam, não pode interferir que o Governo estabeleça leis que permitam que as que assim desejam fazê-lo(por motivos particulares que só elas podem definir como fortes suficientes ou não) o faça com segurança e sem risco de morte. Quantas mulheres terão que vir a óbito para que se deixe de fechar os olhos para a realidade brasileira, para que o bom senso vença o falso moralismo e reconheçam que a sociedade precisa urgentemente de um leis que garantam a segurança médica da mulher? Não é uma questão apenas moral, é uma questão de saúde pública.
Não acredito que a descriminalização irá aumentar os índices de abortos, apenas que será conhecido o nº exato de pessoas que realmente o fazem, já que agora o farão sob tutela do Estado.
Um filho planejado, desejado terá muito mais chances de ter uma vida saudável moral, ecomômica e afetivamente do que uma que não o foi. Talvez, a longo prazo, até se diminua o índice de criminalidade no país.
Eu particularmente não faria um aborto. Seria psicologicamente terrível para mim, passaria a vida inteira imaginando como ele seria, como seria o jeito, o cabelo, os olhos, o sorriso, como seria seu desenvolvimento na fala, na coordenação motora, o que ele estaria fazendo se aqui estivesse... Isso iria me perseguir durante toda a vida, provavelmente faria de mim uma pessoa infeliz. Mas a minha opinião pessoal não pode ser usada como critério para submeter ninguém a um comportamento parecido ao meu.
Me veio à cabeça aquela famosa frase de Voltaire: "posso não concordar com nenhuma palavra que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las." (adaptada claro..)
A mulher tem que pelo menos ter o poder de definir o que fará do seu corpo, afinal será dela o trabalho de sustentar, criar, educar, etc. O Estado e a sociedade já tentam exercer poder demais sobre nós, iniciemos a nossa marcha para a libertação. Como sugeriu Rousseau em o Contrato social: Deixemos que ser aquilo que a sociedade deseja que sejamos, vamos em busca da nossa essência particular.Fingir o tempo inteiro ser quem não somos, mesmo que já tenhamos nos acostumado a tal ponto de acreditar que somos como queremos parecer ser,faz de nós pessoas internamente infelizes.
Seria interessante se parássemos de querer ver o mundo como mero espelho de nós mesmos e começassemos a ver o outro como OUTRA pessoa, com todas suas particularidades e se ficássemos felizes pela enorme diversidade que o mundo nos oferece e seu grande potencial de agregar e fazer de nós pessoas melhores.

Abaixo segue um texto de Samantha Buglione que é bacharel e mestre em direito, doutoranda em ciências humanas e professora licenciada da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) publicado no site www.universia.com.br sobre o tema.

Publicado em 31/08/2005 - 17:51

Descriminalizar o aborto não significa promover o aborto, mas significa perceber que a via penal não é a melhor forma de tratar a questão. Para compreender o que significa sair da via penal um bom exemplo é o adultério. O adultério deixou de ser crime este ano no Brasil. A sua descriminalização não implica no seu aceite moral ou que a sociedade brasileira passou incentivá-lo, ou, ainda, que com a descriminalização, o numero de adultérios irá aumentar. O aborto, ao contrário do adultério, sempre será um tema limite. Causa polêmicas apaixonadas por lidar com questões delicadas como vida, morte, pessoa e humanidade. No entanto, tem incríveis semelhanças com o adultério, uma delas é o fato de que é uma prática, apesar de condenada, pouco penalizada.

Se compararmos o número de abortos feitos e o número de processos se encontrará uma enorme discrepância. Nos últimos dez anos não se contabiliza, no Brasil, mais de 15 processos por aborto. A relação com o adultério nos serve, principalmente, para compreender o sentido da descriminalização. Criminalizar o adultério ocorria não apenas para proteger a moral familiar, mas a propriedade. Ou seja, era o meio de garantir que a mulher não teria filhos fora do casamento. Tanto que os casos de adultério feminino que culminavam com a morte da mulher pelo marido ultrajado em regra geravam absolvições com o lamentável argumento de "legítima defesa da honra", que nada mais é do que uma infeliz construção retórica pelo Direito. A intenção em trazer este exemplo é fazer pensar que a criminalização do aborto não ocorre, apenas, para proteger a vida. Se assim fosse, se a vida fosse um bem tão precioso à sociedade brasileira os vários permissivos deveriam ser repensados, como também as nossas práticas cotidianas (principalmente as relacionadas ao meio ambiente). A questão chave é que criminalizar o aborto é uma forma de negar a chamada autonomia reprodutiva da mulher. Um tema igualmente delicado porque implica no reconhecimento de poder para um grupo historicamente compreendido como um sujeito de segunda categoria ou "relativamente incapaz". Além disso, a descriminação que decorre da proibição do aborto é de classe e de geração. Isto é, na sua maioria são mulheres pobres e jovens que realizam o aborto em situações de risco de vida e que podem vir a sofrem possíveis processos.

Mulheres e casais com condições econômicas razoáveis não sofrerão riscos à saúde tampouco o julgamento moral da sociedade, uma vez que isto será feito no silêncio do mundo privado. Apenas para constar: um aborto clandestino feito com segurança varia, em média, de R$ 1.500 a R$ 4.000 reais. Segundo dados do Dossiê Aborto de 2005 esta é a 5ª causa de morte materna no Brasil. Ademais, conforme dados do SUS, são cerca de 238 mil curetagens decorrentes de aborto por ano, cada uma ao custo médio de R$ 125,00; ficaram daí excluídos, por exemplo, os custos com internações por período superior a 24 horas, os gastos com UTI e os recursos necessários ao atendimento de seqüelas decorrentes do aborto clandestino.

Do ponto de vista prático, a criminalização do aborto, além de não proteger a vida do feto, gera a morte de mulheres e gastos desnecessários para o Estado. O que se quer evidenciar neste breve ensaio é que a via penal não é, neste caso, o meio mais eficiente para proteger a vida, ao contrário. Não se está, com a descriminalização do aborto, afirmando que o feto não tem direito à vida, ou que não é pessoa. O fato é que defender a descriminalização significa, em síntese: a) exigir do Estado outros meios para evitar a morte dos fetos, ou seja, políticas preventivas de educação, acesso à saúde, acesso à métodos contraceptivos, minimizar os índices de pobreza e b) que no conflito entre os direitos do feto e da mulher ou do casal o direito à autonomia desta mulher irá prevalecer. Novamente, não se está promovendo a morte, apenas questionando a nossa prática, afinal, se a vida fosse, realmente, um bem absoluto, não poderia, em nenhuma hipótese, ser preterida por outros direitos, interesses ou estado de necessidade. O que se quer afirmar, por fim, é que o crime de aborto promove mais a morte do que a vida e viola um pressuposto básico da dignidade humana: a liberdade. O Brasil, através da Comissão Tripartite, composta por representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e da Sociedade Civil, objetiva pensar, de forma democrática o posicionamento da sociedade brasileira. O risco é que a hipocrisia das nossas práticas se sobrepunha à capacidade de analisar o problema com praticidade e bom senso.

http://www.universia.com.br/docente/materia.jsp?materia=8388

1 comentários:

Anônimo disse...

Querida amiga avassaladora... Sou contra o aborto, mas a favor do direito de escolher o que fazer com seu proprio corpo.

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